Lançado
no início deste mês pelo governo brasileiro como uma ferramenta para diminuir
os efeitos da desaceleração econômica no mercado de trabalho, o Programa de
Proteção ao Emprego (PPE) tem como inspiração uma medida que foi amplamente
usada na Alemanha após a crise de 2009.
Chamado
de Kurzarbeit (trabalho curto, em alemão), o programa é apontado por
especialistas como uma das ferramentas responsáveis por frear drasticamente o
aumento do desemprego na Alemanha nos meses posteriores ao estouro da crise,
expandindo os incentivos para que os patrões não demitissem sua mão-de-obra.
Esse modelo ainda é usado em alguns setores industriais que continuam afetados
por outros fatores, como as sanções econômicas contra a Rússia.
Durante
o pico da crise em 2009, o esquema atendeu cerca de 1,5 milhão de trabalhadores
alemães e ajudou a preservar até 400 mil empregos, segundo um relatório da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). À época, esse
número segurou a taxa de desemprego em até 1%. Em junho deste ano, 18 mil
trabalhadores alemães estavam trabalhando sob esse regime.
Nesse
sistema, patrões e empregados acertam uma redução das horas de trabalho. O
salário cai na mesma proporção, mas uma boa parte da diferença perdida (até 67%
dependendo do caso) e várias contribuições passam a ser pagas diretamente pelo
governo. A duração é variável, e costuma ser alterada dependendo das
circunstâncias. Atualmente, as empresas alemãs podem adotar o esquema por 12
meses, mas no auge da crise, a medida chegou a ser aplicada por até dois anos.
Num
exemplo livre, empregados de uma firma que experimenta uma queda na produção
podem sofrer uma redução de 50% na jornada de trabalho. O salário, é claro, vai
diminuir na mesma proporção, mas o governo vai ajudar a cobrir parte da
diferença. Alguém que ganhe 2 mil euros pode passar a ganhar cerca de 1.700 euros
e só vai trabalhar metade do tempo. Já os patrões se comprometem a não demitir
ninguém no período de baixa.
O
Kurzarbeit é antigo na Alemanha. Ele fez a sua primeira aparição antes da
Segunda Guerra Mundial. Logo após a queda do Muro de Berlim e a Reunificação, a
decadência da economia na porção leste do país levou a uma expansão sem
precedentes do sistema. Em 1991, cerca de 1,6 milhão de trabalhadores foram
incluídos no esquema, a maioria no leste.
Os
defensores do esquema afirmam que, apesar de representar um gasto a mais para o
governo, o Kurzarbeit ajuda a desonerar os cofres públicos, já que é mais
barato pagar complementos salariais do que o total de uma parcela inteira de
seguro-desemprego. Além disso, os patrões e os empregados continuam a contribuir
para a previdência.
Num
país como a Alemanha, que tem uma indústria superespecializada, também existe a
vantagem para a empresa de manter, mesmo que parcialmente, sua mão de obra já
treinada, evitando gastos extras com novos empregados quando a atividade voltar
ao normal. Durante as horas paradas, o empregado realiza cursos de capacitação.
Durante
a apresentação da versão brasileira, a presidente Dilma Rousseff apontou que
seu governo buscou inspiração direta no modelo alemão. Apesar disso, os números
brasileiros são bem menos ambiciosos dos que observados na Alemanha nos últimos
anos.
De
acordo com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o PPE vai incluir 50 mil
trabalhadores até 2016 e vai custar cerca de 94,8 milhões de reais ao Fundo de
Amparo do Trabalhador. É apenas uma fração do que foi observado na Alemanha.
Somente em 2009, o governo alemão gastou cerca de 6 bilhões de euros (21,7
bilhões de reais) no programa.
Além
disso, o PPE brasileiro prevê uma redução máxima de 30% da jornada de trabalho
durante 12 meses. E o governo só vai complementar até 900 reais dos salários
perdidos. Na Alemanha, não há limite para o corte de horas, e o trabalhador
pode até ficar sem trabalhar.
Embora
a indústria tenha se servido mais do Kurzarbeit na Alemanha, não há nenhuma
regra que limite em que tipo de atividade ele pode ser posto em prática. Até
mesmo empresas de design gráfico fizeram uso do esquema em 2009. No Brasil,
também não há nenhuma restrição, mas o governo elegeu setores prioritários,
como o automotivo, sucroalcoleeiro e frigorífico, entre outros.
Para
especialistas, é enganoso pensar que o "modelo alemão" pode ser
facilmente importado para um país como o Brasil, já que o sucesso do programa
no país europeu dependeu de outros fatores.
Além
disso, na Alemanha, ele foi combinado com outros programas para frear
demissões, como o uso extensivo de um esquema de banco de horas em que o
operário trabalha mais em épocas de bonança sem receber imediatamente a mais,
mas depois não tem o salário reduzido em épocas de produção em baixa, quando a
carga é reduzida. O Kurzarbeit por si só não é capaz de fazer milagres.
"Não
há dúvida de que políticas governamentais como o Kurzarbeit e o banco de horas
ajudaram as firmas alemãs a atravessar a tempestade de 2008 e 2009. Mas pode
ser que ele só tenha sido efetivo porque várias reformas trabalhistas já haviam
sido colocadas em prática antes da recessão e porque o declínio na demanda só
foi sentido por um curto período de tempo", afirma Hermann Gartner,
pesquisador do Instituto de Pesquisa Trabalhista (IAB), em Nurembergue, que fez
um estudo sobre a viabilidade da aplicação do Kurzarbeit e de outras políticas
nos EUA. "É enganoso ou pelo menos prematuro afirmar que proteções
semelhantes funcionariam bem num país como os EUA, por exemplo."
O
IAB, uma organização ligada à Agência Federal do Trabalho da Alemanha (BA),
apontou em vários estudos as vantagens do Kurzarbeit, mas também sinalizou um
possível efeito perverso do sistema, como ajudar a manter artificialmente o
funcionamento de empresas que não são competitivas, mantendo a mão de obra
presa em setores que estão em declínio, atrasando a realocação profissional.
Claudio
Salvadori Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp e
ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, afirma que o
Kurzarbeit brasileiro pode não render os frutos esperados. Segundo ele, isso
deve acontecer, sobretudo, porque no caso alemão, a expansão do programa veio
acompanhada de uma sensação de que a crise seria passageira e porque o governo
aplicou pacotes de estímulo para assegurar que isso acontecesse mais
rapidamente.
“É
uma ideia boa, mas no Brasil ela chega como uma iniciativa atabalhoada, sem uma
estruturação. De nada adianta proteger o emprego agora sem uma iniciativa de
recuperação econômica", afirma.
O governo finalmente anunciou as regras do PPE. As empresas
que quiserem participar vão ter que, entre outras coisas, comprovar, por
exemplo, dificuldade econômico-financeira e apresentar um indicador Líquido de
Empregos (ILE) igual ou inferior a 1%.
Para
o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em direito do
trabalho Luiz Guilherme Migliora, as regras impostas pelo governo vão
dificultar a adesão ao programa.
"A
execução está muito tecnocrata e vai criar um inferno burocrático. Talvez a
adesão nem chegue a esses poucos 50 mil por causa dos entraves", diz.
"A impressão que deu é que se criou só um fato político com o anúncio, sem
um acompanhamento econômico. Se não der certo, o governo pode falar que criou o
programa e que foram as empresas que não aderiram."
Migliora
também concorda que ainda que a execução do programa venha a ser simplificada,
ele será inócuo sem uma perspectiva de recuperação econômica. "Nenhuma
empresa vai achar vantajoso vencer essa burocracia para guardar seus empregados
se não houver uma perspectiva de que as coisas vão estar melhores no fim do
prazo de 12 meses", diz.
Fonte:
Deutsche Welle