Cinquenta anos depois de o homem dar os primeiros passos na Lua, a Agência Espacial Americana começa a desvendar os segredos do lado oculto do satélite, aquele que não é visível da Terra. Na capa da edição da revista especializada Science, a Nasa divulgou, pela primeira vez, os resultados de uma missão realizada em outubro de 2009 que tinha como objetivo procurar água e minerais no solo lunar. O experimento, chamado LCROSS, consistiu na colisão de uma sonda contra uma cratera, próxima ao polo sul da Lua. Mas, durante um ano, o que aconteceu quando a cápsula do veículo bateu violentamente na superfície gelada do satélite ficou só entre os cientistas da agência.
Agora, eles revelaram que o impacto na cratera Cabeus, uma região de permanente sombra, que nunca recebe a luz do Sol e, por isso, é considerada um dos lugares mais frios da Lua, provocou uma enorme pluma de poeira, vapor e outros destroços que foram ejetados na atmosfera. O interessante é que todo esse material da face escura do satélite "voou" em direção ao Sol. Graças a isso, foi possível documentar o acontecimento, que ficou visível para as câmeras de uma nave que trafegava atrás da sonda. Durante quatro minutos, além das fotos, o equipamento registrou dados químicos e físicos, por meio de espectrômetros e radiômetros, aparelhos que identificam os átomos e a radiação eletromagnética das substâncias.
Uma análise dos dados coletados pela nave permitiu aos cientistas estimar a quantidade de água congelada que se encontrava no interior da gélida e escura cratera. Segundo o cientista lunar da Nasa Anthony Colaprete, um dos autores do estudo publicado na Science, entre vapor e gelo, cerca de 155kg de água foram ejetadas da Cabeus até o campo de visão da nave. Ele estima que 5,6% da massa total do interior da cratera era composto apenas de água congelada. A análise também permitiu identificar outros minerais - inclusive prata - contidos no solo do lado escuro da Lua. Contando todo o material que saiu da cratera, foram entre 6t e 8t de elementos químicos.
O geólogo planetário Peter Schultz e seu aluno Brendan Hermalyn, da Universidade de Brown, descrevem, também na Science, os materiais encontrados na nuvem de poeira e vapor que se formou com o impacto. Além da água, a cratera ejetou compostos químicos como monóxido de carbono, hidroxila, dióxido de carbono, amônia, sódio e prata. Juntos, os sortidos voláteis dão aos cientistas algumas pistas de onde vieram e como se acumularam nas crateras polares.
Para Shultz, as substâncias voláteis são fruto de fatores externos, como os choques com cometas, asteroides e meteoritos que, há bilhões de anos, vêm colidindo com a Lua. Pequenos impactos ou mesmo o aquecimento provocado pelo Sol teriam enchido esses elementos com energia suficiente para que escapassem da superfície do satélite e se movessem pela Lua, até que chegaram os polos, onde ficaram soterrados pelas crateras escuras e geladas. "Esse lugar é como um tesouro de elementos, de compostos que foram liberados por toda a Lua. E eles acabaram dentro desse 'balde' de sombras permanentes", diz o cientista.
O geólogo planetário afirma que o resultado da missão LCROSS é a confirmação de que regiões permanentemente sombrias da Lua, como a cratera Cabeus, podem armazenar compostos voláteis, incluindo água, que chegaram lá desde o espaço ou de outras regiões do satélite. Na face escura, eles ficam preservados pela eternidade - ou até que uma agência espacial resolva mandar um foguete para libertá-los com o impacto. Por isso, Schultz acredita que, como num cabo de guerra, a Lua consegue acumular, e não só perder, materiais da atmosfera.
Mistério - Missões anteriores da Nasa já haviam encontrado traços da existência de prata e ouro no lado visível da Lua. Agora, a descoberta do primeiro metal na cratera Cabeus sugere que os átomos do metal viajaram pelo satélite e migraram até os polos. Para quem se animou em saber que existe prata no local, Peter Schultz dissolve qualquer expectativa de que, um dia, seja possível usar um brinco ou um anel made in Lua. "Encontramos uma concentraçãode prata na cratera, mas isso não significa que podemos garimpar esse material", avisa.
O impacto do foguete produziu, em Cabeus, uma nova cratera com 30m de largura. Os cientistas notaram que houve um pequeno atraso, durando cerca de 1/3 de segundo, no flash produzido depois da colisão. De acordo com eles, isso indica que a superfície atingida talvez tenha algum material diferente, ainda não identificado. "Se tivesse sido só poeira lunar (o material que subiu depois da explosão), ela teria se aquecido imediatamente, e brilhado imediatamente. Mas não foi o que ocorreu", diz Schultz. "Esse impacto não foi normal. Então, para entendermos exatamente o que aconteceu, teremos de fazer muitos testes."
Apesar de a missão ter sido um sucesso, o geólogo diz que o resultado colocou mais dúvidas na cabeça dos cientistas do que respondeu a questões. "As crateras permanentemente escuras da Lua são arquivos de bilhões de anos. Elas podem dar pistas sobre a história da Terra, do sistema solar, ou da nossa galáxia. Está tudolá, toda essa história escondida, apenas pedindo que voltemos lá."