A
rotina das mulheres norte-americanas que servem nas Forças Armadas é repleta de
perigos: elas têm de enfrentar o risco, diariamente, de atentados contra os
seus batalhões e bombas plantadas além de outros desafios intrínsecos aos
conflitos armados. No entanto, essas militares também sofrem com a violência
dentro dos próprios quartéis e muitas vezes, não tem a quem recorrer.
A
oficial Rebekah Havrilla conta que já estava preparada psicologicamente para a
possibilidade de morrer em um ataque terrorista no Afeganistão, mas não para
ser estuprada por muitos de seus colegas e superiores nas bases e campos
militares dos EUA. Na primeira vez em que foi assediada, o líder de seu grupo
se aproximou por trás, mordeu com força o seu pescoço e disse “Eu quero muito
te foder agora”. Dias depois, outro colega a estuprou.
Tia
Christopher, que se alistou na Marinha em 2000, passou por uma situação muito
similar apenas dois meses depois de ter entrado na organização. Em uma noite
quando estava entrando em seu quarto para dormir, um companheiro do batalhão
militar invadiu o local e a estuprou, batendo sua cabeça várias vezes contra a
parede. Assustada e com apenas 18 anos, a aspirante a oficial se livrou de todas
as provas contra o companheiro que continuou a assediá-la.
O
caso dessas duas mulheres norte-americanas não é excepcional nem muito
diferente de suas companheiras militares. O jornal norte-americano Huffington
Post divulgou essa e outras histórias, além de dados sobre a ocorrência de
estupros dentro das Forças Armadas dos EUA, em uma reportagem especial neste
sábado (06/10).
De
acordo com dados do Departamento de Defesa, pelo menos uma em cada três
mulheres entre as 207 mil do corpo militar norte-americano já foi vítima de
estupro e/ou outros abusos sexuais. O índice de ocorrência é o dobro do que
ocorre, em média, na sociedade do país, onde uma em cada seis mulheres já
sofreu violência sexual.
Entre
outubro de 2010 e setembro de 2011, cerca de 3,2 mil estupros dentro das Forças
Armadas dos EUA foram denunciados, mas o Pentágono calcula que dentro deste
período, pelo menos 19 mil abusos sexuais entre colegas aconteceram. Apesar de
autoridades explicarem que a violência não acontece apenas contra mulheres, o
grupo feminino representa a grande maioria.
Isso
significa que o risco de uma militar norte-americana ser estuprada no período
de um ano dentro das Forças Armadas é 180 vezes maior do que o de ser morta em
combate no período de onze anos no Iraque ou no Afeganistão, informou o
Huffington Post.
Os
dados disponibilizados pelo governo norte-americano também apontam que a maior
parte dos estupradores é homem com mais de 25 anos e que possui posição
hierárquica mais elevada do que a da vítima. Estas informações explicitam que o
caso de Rebekah e Tia longe de serem exceções, representam o padrão da
violência dentro das Forças Armadas.
Enfrentando a estrutura
Mesmo
triste e assustada, Tia decidiu lavar os lençóis, roupas e tudo o que pudesse
indicar que havia sido vítima de estupro. A aspirante a oficial decidiu que não
levaria essa história adiante, apesar de saber que o seu colega poderia violentá-la
novamente. Ela apenas mudou de ideia, de acordo com entrevista ao Huffington
Post, quando soube que este mesmo militar estuprava outras garotas.
Outra
oficial tentou desencorajá-la de denunciar o estuprador para seus superiores, mas
Tia foi adiante com o seu plano e acabou por esbarrar na estrutura judicial
militar. “Então, me diga mais uma vez, qual era a cor da sua calcinha quando
você foi estuprada?”, teria perguntado o oficial responsável pela investigação
de acordo com sua entrevista ao Huffington Post.
Segundo
dados do governo dos EUA do ano 2011, apenas 240 das 3,2 denúncias foram para o
tribunal e destas, somente 6% resultaram em sentenças condenatórias. A grande
parte dos estupradores condenados teve que pagar multa ou, no pior dos casos,
foi rebaixado na carreira.
Em
muitos casos, a vítima não denuncia a violência sexual porque a pessoa para
quem devem denunciar é o próprio estuprador e em outros, a alta patente do
agressor impede a continuidade das investigações. O processo de Claire Russo,
que envolveu alto grau de violência, foi interrompido porque os Fuzileiros
Navais não gostam de “lavar roupa suja em publico”, informou ela ao Huffington
Post.
Em
2004, Claire foi sedada por um capitão que a violentou brutalmente. Segundo
informações de seu processo judicial, a oficial tinha hematomas em suas
nádegas, vagina e lábio, além de machucados em seu ânus.
“No
fim, foi-me dito pelo comando direto que a sodomia – forçada ou não - não é
crime segundo o Código Militar de Justiça (UCMJ na sigla em inglês) de modo que
eu não poderia prestar queixa”, disse Claire ao Huffington Post.
E o governo?
No
dia 27 de setembro, o secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, ordenou uma
mudança no treinamento militar das diferentes corporações que compõem as Forças
Armadas. Um de seus objetivos é o de prevenir a violência sexual dentro dos
quartéis, que atinge níveis preocupantes em algumas localidades. Não é a
primeira vez, no entanto, que o governo tenta acabar com o problema.
Em
2005, o então secretário de Defesa Donald Rumsfeld também exigiu a reformulação
dos programas de formação militar. "A meta do Departamento de Defesa é uma
cultura livre de abuso sexual, por meio de um ambiente de prevenção, educação e
treinamento, de apoio à vítima e de responsabilização apropriada", afirmou
o órgão na época. Desde então, milhares de mulheres continuam a ser violentadas
pelos próprios oficiais.