Nos últimos dias, um caso na Flórida, Estados
Unidos, tem chamado a atenção do mundo inteiro. Cristian Fernandez, de 13 anos,
pode ser julgado como adulto por ter matado, no ano passado, o irmão de 2 anos
e abusado sexualmente do outro de 5, quando se encontravam sozinhos em casa.
Trata-se de um caso que impressiona qualquer um. Mas a idade do acusado não é o
maior motivo das intermináveis discussões. O que mais choca é o seu passado
marcado por violências e abusos, como mostram os noticiários. No mundo de Cristian,
fruto de um estupro, a violência física e mental era algo comum. Mas qualquer
agressão recorrente resulta em danos sérios que podem durar para sempre. Tudo
isso seria levado em conta no tribunal? Uma vez acusado de crime doloso,
Cristian poderá pegar prisão perpétua. Seria justo?
Casos semelhantes não são raros. O número de
menores envolvidos em crimes vem crescendo assustadoramente! E quem seriam
esses menores? Meros criminosos e empecilhos sociais que devem ser descartados?
Ou crianças diferentes das demais? O caminho teria volta, ou excluí-los
socialmente seria a melhor solução? Muitos menores infratores podem esconder
uma realidade dura, muitas vezes, mais dura que a de Cristian. O que estaria
acontecendo com a nossa sociedade? O que existe por trás de casos onde
crianças, à primeira vista, parecem já desconhecer a inocência? A sociedade, de
forma geral, é severa com quem comete crimes. Mas, por trás de um crime
cometido por um menor pode haver mais do que podemos ver. Muito mais que
crueldade. O que leva uma criança a cometer um crime?
A cultura da violência está cada vez mais viva e
falo não somente de violência física, mas também me refiro à hostilidade das
pessoas entre si e à competitividade. As coisas se dão como a
expressão tão popular quem tem a goela maior que engula o outro revela.
Muitas estruturas culturais permitem que a criança cresça em um ambiente
caótico e aprenda a conviver e aceitar condutas que em outros meios seriam
inaceitáveis. Essas condutas passam de pais para filhos e, acrescentadas ao
fato de que mães e pais são cada vez mais jovens (ainda que haja a promoção dos
vários métodos contraceptivos), tornam-se um círculo vicioso. São pais com
pouca ou nenhuma estrutura financeira e psicológica para cuidar de outro ser
humano. E a criança, como é de sua natureza, reproduz as atitudes dos adultos
com os quais convive. Se a violência faz parte da sua rotina, irá, sem dúvida,
repiti-la. Muitas vezes, o ódio vem lá de um passado remoto, como o que
aconteceu com Cristian. É uma raiva que já corre no sangue. Uma raiva
entranhada.
A desigualdade social apresenta-se como uma grande
influência na problemática da cultura da violência. Em uma sociedade baseada no
consumo, quem não tem poder aquisitivo está lá embaixo, se imaginarmos uma
escala social hierárquica, e se os valores éticos do meio onde o indivíduo
cresceu permitem, este poderá recorrer a meios mais extremos de tentar se
enquadrar em um perfil social mais “aceito”. Um desses meios pode ser o crime
como forma de adquirir um certo status e poder aquisitivo. Se pensarmos bem, o
lema “adquira e tenha poder” é, por si só, violento, uma vez que impõe. Mas,
por hora, e infelizmente, são águas presentes.
Sabemos que desvios no âmbito sócio-cultural
acarretam muitos outros problemas. Mas, por outro lado, para quem pensa que a
conduta transgressora de um indivíduo está somente ligada à sua realidade de
classe social e cultural, se engana. Há casos cuja estrutura financeira, ainda
que complicada, é, dos males, o menor. Para outras, não representa peso algum.
Muitas vezes, passa muito mais por questões de estrutura familiar e
psicológica. A falta de equilíbrio emocional ou a forma de lidar com a vida
pode ser a origem de tudo. Pensando bem, uma questão de conduta, passada de
geração em geração: a cultura familiar. Uma rotina doida, tudo muito corrida. E
as coisas passam batido. Esse é um dos dilemas dos pais da sociedade moderna,
que trabalham, que vivem para trabalhar e trabalham para viver. O filho roubou
algo na escola ou agrediu um colega? Tanto faz, pode não ser algo grave. E
assim, os episódios vão passando e a bola de neve vai crescendo, até que as
coisas saem de controle. Muitos pais não dão a atenção devida, mas alguns não o
fazem porque também não têm a mínima condição de lidar com os seus próprios
problemas. Complicado. Mas, é assim.
Para algumas crianças, a brecha para a entrada na
porta do crime é, na verdade, um misto de tudo: rotina violenta, dificuldades
financeiras ou miséria, negligência e falta de estrutura dos pais. É certo que
ter somente pena não é o melhor caminho, pois que há maldade, há. Mas, sem
sombra de dúvidas, há também algo muito diferente e que não reconheço nos olhos
dessas crianças. Quanto aos que já embarcaram nesse caminho, há quem pense que
as mentes criminosas não têm cura e que não há passagem de volta. Cristian,
como muitos, posui um ótimo desempenho acadêmico. Acredito que muitos meninos e
meninas estejam aí com vários desempenhos, que não o do crime, desperdiçados.
Uma pessoa que vive desde bebê em um ambiente assolado pela violência iria
tender à reprodução de quê? Querendo, ou não, crendo ou não, é uma realidade
dura, ainda que não tenhamos sentido na pele. Mas não acredito que seja
irreversível. Fadar uma criança à prisão para “livrar a sociedade do fardo de
conviver com um transgressor em potencial” seria o melhor caminho, visto que,
dessa forma, esse indivíduo não terá chances alguma – se é que já teve – para a
vida? Pau que nasce torto morre torto? Para mim, isso sim, é irreversível. E,
então, pergunto: o que é maldade? E, nesse caso, em que ponto ela está?
Violência se resolve com mais violência? Não sei não. Ou sei bem. E você? Qual
a sua opinião?
Por André Mansur
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