Elas não conseguem se mexer. Todos os músculos voluntários do corpo, à exceção dos olhos, estão completamente paralisados. Cerca de 3,3 milhões de pessoas no mundo estão presas na própria consciência. Sofrem da chamada síndrome do encarceramento, também conhecida pelo nome de coma vigilante. Até 2013, portadores dessa condição e pacientes com outras graves paralisias provavelmente ganharão um aliado para possibilitar uma comunicação simples, mas extremamente eficaz. Essa perspectiva move o dia a dia de Bradley Greger, do Departamento de Bioengenharia da Universidade de Utah. O neurocientista norte-americano criou um dispositivo que decodifica palavras a partir dos sinais elétricos do cérebro humano.
Os resultados da pesquisa foram detalhados pela edição de setembro da revista Journal of Neural Engineering. Em entrevista, Bradley afirma serem necessários poucos anos de estudos antes que o invento seja utilizado em hospitais e clínicas de todo o mundo. “Precisamos obter um índice de precisão de pelo menos 90% para que o paciente possa utilizá-lo de modo consistente”, prevê. “Eu acredito que levará de dois a três anos para obtermos um mecanismo com uma performance boa o bastante.” Quando essa etapa for alcançada, Bradley pretende ir à FDA — a agência reguladora de medicamentos nos Estados Unidos —, em busca de permissão para realizar testes clínicos em pacientes com paralisia.
O invento de Bradley e colegas consiste em 16 minúsculos eletrodos, chamados de microeletrocorticógrafos ou micro-ECoGs, colocados sobre o cérebro de um portador de epilepsia que havia se submetido à remoção temporária de parte do crânio (craniotomia). Acometido por graves e frequentes crises convulsivas e sem responder a tratamentos medicamentosos, o homem já tinha eletrodos comuns na cabeça. Os cientistas apenas implantaram uma placa de silicone com micro-ECoGs, nas semanas que antecederam a cirurgia, e colocaram o crânio de volta, sem “soldá-lo” ao corpo.
Kai Joshua Miller, coautor do estudo e neurocientista da Universidade de Washington, em Seattle, explica que o pressuposto da pesquisa está na constatação de que populações de células no cérebro produzem campos elétricos que computam a informação. “O que fizemos foi medir esses campos com os micro-ECoGs. Ao amplificar os campos elétricos, usamos métodos matemáticos para decodificar os elementos da fala produzidos”, comenta Miller. Os cálculos combinaram dados extraídos de dois conjuntos de 16 microeletrocorticógrafos espalhados por diferentes pontos do cérebro e distantes apenas 1mm uns dos outros. “Identificamos combinações específicas de padrões de frequência em cada sinal elétrico, em cada região do cérebro”, emenda.
Bradley Greger e Kai Miller usaram os micro-ECoGs para detectar sinais elétricos cerebrais tênues, gerados por poucos milhares de neurônios. Um dos conjuntos de eletrodos especiais ficou localizado sobre o córtex motor facial, que controle os movimentos da boca, dos lábios, da língua e da face. O outro, na área de Wernicke, uma parte do cérebro ligada à compreensão da linguagem. Durante quatro dias consecutivos, em sessões de uma hora de duração, os cientistas pediram ao paciente que repetisse uma de 10 palavras e então gravavam os sinais por meio dos micro-ECoGs. Cada uma das 10 palavras foi repetida de 31 a 96 vezes. “Os micro-ECoGs têm a vantagem de medir praticamente o exato número de células envolvidas na produção de elementos simples da fala. O nível de precisão na discriminação das palavras foi de 80% a 90%, com algumas palavras sendo distinguíveis com 100% de acerto”, observa Miller.
Os especialistas então buscaram padrões de sinais cerebrais que correspondam a diferentes palavras, por meio da análise de mudanças na força das frequências em cada sinal nervoso. Cada palavra falada produziu sinais distintos, e o padrão de eletrodos que identificou com maior precisão cada palavra variou de palavra a palavra. Para Miller, a classificação da fala, com a ajuda desses eletrodos, parece ser um método viável e limitado, mas útil, para restaurar a comunicação naqueles que sofrem da síndrome do encarceramento. Uma forma de permitir que esses pacientes voltem a interagir com o mundo.
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