Sequer
esfriada a ampla polêmica sobre se é crime ejacular no pescoço alheio dentro de
um ônibus, ou se é contravenção, mais um episódio grotesco promete jogar lenha
na imensa fogueira em que se transformou a tipificação do crime de estupro no
Brasil. Um homem de 19 anos de idade foi preso na última quarta-feira, 20, no
interior do estado de Minas Gerais, por “estupro virtual”. Após se aproximar,
via internet, de suas vítimas, ele exigia que elas lhe enviassem fotos de seus
corpos nus, sob a mais ampla gama de ameaças. “Estupro virtual” é uma expressão
que não consta no Código Penal, mas sim uma interpretação à qual dá margem uma
mudança na lei feita oito anos atrás.
Há
menos de um mês causou indignação nacional a decisão do juiz José Eugenio do
Amaral Souza Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo, de devolver às ruas um
homem flagrado na décima sexta reincidência de crimes contra mulheres, em
intervalo de pouco menos de oito anos, não tardando a que chegasse à marca
previsível da décima sétima, o que aconteceu no intervalo de apenas quatro dias
após aquela sua famigerada audiência de custódia.
Tanto
quanto a irresponsabilidade da soltura em si, causou revolta também a
justificativa dada pelo juiz para sua decisão: não há constrangimento, tampouco
“violência ou grave ameaça”, segundo o magistrado, quando alguém sentado no
banco de um ônibus, absorto na rotina do dia a dia, é atingido por um jato de
esperma no pescoço.
Por
mais que esteja longe de ser ficção (uma mulher é estuprada em local público a
cada 11 horas em São Paulo), a imagem do estuprador como um lunático sexual que
sai pelas ruas em busca despudorada e incontida pelo gozo, essa imagem arrisca
novamente se antepor, depois do êxito do movimento feminista em colocá-la
devidamente em segundo plano, ao que a socióloga uruguaia Nea Filgueira,
estudiosa do tema, chamou de “silencioso massacre” da parte de quem pratica
estupro e em regra permanece na impunidade: as violências e opressões a que as
mulheres historicamente estão submetidas na esfera da vida privada.
Pois
é justamente o estereótipo do estuprador como que saído de um conto de Nelson
Rodrigues que ameaça mais uma vez consolidar-se no senso comum nacional: um
degenerado que mal consegue conter seus mais primitivos instintos diante dos
rabos de saia anônimos com que depara no “coletivo” — ou, coisa que o “anjo
pornográfico” não poderia imaginar, com que depara virtualmente na tela de um
computador.
Fonte-opiniao
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