No
intuito de aproximar as diferentes variantes da língua portuguesa, o Novo
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado em 1990 e ratificado em
2008.
Previsto
para entrar em vigor em 2009, ele foi adiado para 2016. Ou seja, a partir do
ano que vem, todos os países de língua portuguesa deverão obedecer às normas
nele estabelecidas.
No
entanto, tal ideia não está sendo bem recebida em Portugal, onde milhares veem
o acordo como uma imposição do Brasil. Isso porque uma de suas determinações
estabelece o fim das consoantes mudas em palavras, como “acto” e “óptimo”, que
passarão a serem escritas nas versões brasileiras “ato e “ótimo”.
Para
muitos portugueses, a mudança fere uma das características que compõem o
orgulho nacional. Além disso, há a queixa de que o acordo foi discutido apenas
na esfera política, sem consultar a população.
É o
que explicou em entrevista à BBC a professora de filosofia e escritora
portuguesa Maria de Menezes. “Os nossos
governantes impuseram-nos um modelo que nada tem a ver conosco. E não é porque
o Brasil fala assim que vão nos obrigar a fazê-lo. A língua evoluiu
naturalmente no Brasil para essas alterações. Aqui em Portugal, não. Portanto,
a imposição não tem fundamento.”
A
mesma opinião é compartilhada pelo jurista Ivo Miguel Barroso, criador da
página do Facebook “Cidadãos Contra o Acordo Ortográfico de 1990”, que reúne 30
mil pessoas. “A população não foi ouvida quando o acordo foi firmado ou
implantado, e temos certeza de que a maioria de nós, portugueses, é contrária a
ele. Temos o direito de debater abertamente sobre um assunto tão importante,
que tem influência direta no nosso país.”
A
revolta resultou em uma campanha contra o acordo, liderada, principalmente pelo
jornal Público, artistas, acadêmicos e políticos que saem às ruas em busca de
assinaturas para aprovar um referendo popular que discuta o acordo.
Para ‘acordistas’ rejeição reflete
complexo de inferioridade
Para
Rui Tavares, escritor e ex-eurodeputado por Portugal, a forte rejeição ao
acordo é parte de uma crise de autoestima portuguesa. “A visão extremada sobre
o acordo é uma mera projeção dos portugueses em relação a suas próprias
fraquezas. O país atravessa um momento de crise e isso acaba por fazer com que
muita gente interprete qualquer coisa como um sinal de vulnerabilidade. Para
mim, é um mistério o fato de algumas pessoas considerarem o acordo algo até
humilhante. Isso revela uma visão complexada.”
Outro
defensor do acordo, o professor catedrático Carlos Reis, diz que a dificuldade
em aceitar as novas regras reflete a relutância de uma parcela do país em
aceitar que Portugal deixou de ser “proprietário” do idioma para se tornar mais
um “condômino” entre outros sete países.
“Convém
não confundir a agressividade de algumas pessoas, e de um determinado jornal,
em particular, que é das poucas exceções à regra, com a realidade das coisas.
Outras exceções acontecem por ignorância e falta de preparação, não por vontade
de contrariar o Acordo Ortográfico.”
O acordo e a mídia portuguesa
Um
dos principais argumentos a favor do acordo é a ideia de que ele e abrirá as
portas de outros países aos veículos de comunicação de Portugal, país que tem
uma população de pouco mais de 10 milhões.
Segundo
Miguel Gil, membro do conselho de administração do grupo Media Capital, um dos
mais importantes de Portugal, o acordo permitirá a expansão das empresas de
comunicação do país, principalmente para o território brasileiro. Tal interesse
é corroborado pelos números: em 2013, o Brasil tinha 90 milhões de pessoas com
acesso à internet, enquanto Portugal tinha apenas 5,7milhões. Em 2014, a
publicidade na mídia gerou para o Brasil uma renda de R$ 121 bilhões, enquanto
em Portugal o total foi de R$ 1,64 bilhão.
“A
existência de um espaço comum para a língua portuguesa é absolutamente chave
para a otimização das oportunidades e o aproveitamento cultural, social e
econômico possibilitados por uma língua moderna, culta, viva e falada por quase
300 milhões de pessoas, das quais mais de 200 milhões estão no Brasil.”
No
entanto, para o fundador do jornal Público, Nuno Pacheco, o argumento não passa
de uma ilusão. Ele diz que o acordo não abrirá as portas do mercado brasileiro
às empresas de comunicação portuguesas. “Esta é uma ilusão que foi criada para
justificar as mudanças. O português do Brasil e o de Portugal seguiram caminhos
distintos, tanto no vocabulário quanto na construção verbal, e o acordo não
muda isso.”
Segundo
Pacheco, a maior parte dos funcionários da mídia portuguesa é contra o acordo,
mas obedece às novas regras porque “são profissionais e acabam aceitando o
acordo, por lhes ser imposto por seus empregadores”. “A verdade é que, entre
jornalistas e escritores portugueses, praticamente ninguém é a favor desse
acordo.”
Fonte-opiniao
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