O
que culinária tem a ver com movimentos imigratórios para o Brasil no século
XXI, tema da redação da última edição do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem)?
À primeira vista, nada. No entanto, dois corretores da prova entenderam como
“adequada” a abordagem temática por parte de um candidato que descreveu como
preparar um Miojo no meio de seu texto. Enquanto estudantes tiraram nota 1000
cometendo erros como “trousse”, “enchergar” e “rasoavel”, como mostrou O GLOBO
na segunda-feira, o candidato que agiu com deboche ficou com 560 pontos.
Nos
dois primeiros parágrafos, o vestibulando chega a comentar a questão da
imigração. Mas, no parágrafo seguinte, o candidato descreve o modo de preparo
do macarrão instantâneo:
“Para
não ficar muito cansativo, vou agora ensinar a fazer um belo miojo, ferva
trezentos ml’s de água em uma panela, quando estiver fervendo, coloque o miojo,
espere cozinhar por três minutos, retire o miojo do fogão, misture bem e
sirva”.
Como
se nada tivesse acontecido, o candidato retoma o tema da imigração no parágrafo
seguinte e conclui que “uma boa solução para o problema o governo brasileiro já
está fazendo, que é acolher os imigrantes e dar a eles uma boa oportunidade de
melhorarem suas vidas”. Das 24 linhas da redação, quatro foram reservadas
apenas para descrever o modo de preparo da massa.
Embora
haja critérios para se tirar nota zero na redação no Guia do Participante, como
a fuga total do tema e impropérios ou atos propositais de anulação, o vestibulando
em questão tirou 560 em 1000.
O
candidato recebeu 120/200 (60%) na competência 2 da correção, em que são
avaliadas a compreensão da proposta da redação e a aplicação de conhecimentos
para o desenvolvimento do tema. Pela nota, o Ministério da Educação (MEC)
entende que o estudante abordou o tema de forma “adequada”, embora “previsível”
e com “argumentos superficiais”. Na competência 3, na qual é avaliada a
coerência dos argumentos, o candidato recebeu 100/200 (50%).
Em
nota, o MEC afirmou que “a presença de uma receita no texto do participante foi
detectada pelos corretores e considerada inoportuna e inadequada, provocando
forte penalização especialmente nas competências 3 e 4”. O órgão entende que o
aluno não fugiu do tema nem teve a intenção de anular a redação, pois não feriu
os direitos humanos e não usou palavras ofensivas.
Entretanto,
os critérios de avaliação das redações do Enem estão longe de serem
consensuais. O GLOBO mostrou ontem que redações nota 1000 (máxima) da edição de
2012 continham erros graves de grafia e concordância. Para o coordenador de
Língua Portuguesa e Redação do Colégio pH, Filipe Couto, os critérios de
correção não são claros.
-
O edital do Enem diz uma coisa e a banca faz outra. Para ele tirar 120 na
competência 2, é como se não tivesse se desviado do tema e o abordasse
adequadamente, mas não foi o que aconteceu - afirmou Couto.
Já
para um dos coordenadores da banca de redação do Enem, que pediu para não ser
identificado, não haveria como saber se o candidato colocou a receita para
ganhar linhas, testar a correção ou debochar. No entanto, segundo ela, a
orientação dada aos corretores é levar ao máximo em consideração a parte onde o
aluno se atém ao tema, diminuindo a pontuação em outras competências se for o
caso.
-
Na parte em que ele escreveu sobre o tema, ele se saiu bem. A orientação é
considerar o que for possível. Desse modo, ele conseguiu metade da nota -
afirmou a corretora.
Mas
o raciocínio não é tão claro para quem orienta candidatos do Enem nas salas de
aula. De acordo com o professor de redação do curso Pensi e da Escola Modelar
Cambaúba, Raphael Torres, o candidato cometeu erros graves ao usar a primeira
pessoa do singular e verbos no imperativo. E concluiu:
-
A partir do momento em que se escolhe falar de Miojo, o candidato quebra a
estrutura dissertativa pedida no edital. Mas a banca não enxerga isso como
impropério. Ela pega as próprias brechas que fez com o Guia do Participante
para legitimar a nota que deu. Ele deveria tirar uma pontuação muito mais baixa
do que 560 - argumentou.
Fonte - oglobo
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