Documento da Embaixada Americana com informações sobre o Brasil
Eram os adidos trabalhistas, que foram enviados ao Brasil para descentralizar o operariado das mãos do governo da época. Em pesquisa de doutorado realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Afonso analisou a ação dos adidos trabalhistas norte-americanos e ingleses no Brasil, entre 1943 e 1952. “A vinda dessas lideranças foi uma tentativa de “fazer a cabeça” dos brasileiros para a busca da desvinculação de sua atuação do Estado”, afirma.
O pesquisador descreve os adidos trabalhistas como pessoas que não pertencem ao quadro diplomático de determinado país, mas servem junto à estes órgãos representando interesses específicos, como o adido militar e o adido cultural, por exemplo. Quando Roosevelt assumiu a presidência dos Estados Unidos, em 1933, colocou os adidos trabalhistas para se inteirarem da movimentação sindical ao redor do mundo, que tinha fios ideológicos ligados a esquerda proposta pelos soviéticos. “Mesmo sabendo da contraposição que ia sofrer, Vargas não pôde se indispor à presença dos grupos, pois estes se apresentavam oficialmente como membros da embaixada norte-americana no Brasil”, revela Afonso. Segundo o professor, as lideranças norte-americanas queriam criar uma grande central sindical mundial, a qual comandariam.
Foram analisados cerca de 9 mil documentos do governo americano
Atenção redobrada
No segundo mandato de Vargas, a atenção dos adidos trabalhistas no Brasil foi redobrada, pois o Departamento de Estado sabia que sua liderança ia de encontro com o desejado pelos EUA para o Brasil, bem como para a América Latina toda. Os documentos comprovam que, logo após o final da Segunda Guerra, eles mudam de tom e voltam a ver todo o resto do continente americano como um fornecedor de matérias-primas e uma possibilidade para expansão de mercado. Ainda assim, Afonso diz não ter encontrado nos documentos uma comprovação oficial de que os Estados Unidos articularam um boicote ao governo Vargas.
Segundo Afonso, o programa dos adidos trabalhistas foi criado depois da Crise de 1929 para que o Departamento de Estado tivesse um maior controle sobre a situação de suas empresas no exterior. “O Departamento de Estado é um braço do modelo econômico”, diz. À época, as motivações para as ações se davam para impedir a organização do corpo de funcionários de empresas norte-americanas ao redor do mundo, que possivelmente atuariam em greves, passeatas e ações contra seus empregadores.
A ideia para a pesquisa surgiu durante a elaboração de seu mestrado, sobre a presença do partido comunista na Assembleia Legistativa de São Paulo, quando encontrou documentos norte-americanos secretos que apresentavam um pretendido controle sobre o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Eles eram camuflados por interesses dos Estados Unidos no Brasil no período da Segunda Guerra e no pós-guerra. Naquela ocasião, o movimento sindical ao redor do mundo era preocupante, pois recebia o apoio da União Soviética. Além de o Brasil ser um mercado em expansão e cabia aos EUA garantir que suas empresas dominassem o parque industrial que viria em seguida.
Período nos EUA
Foram cinco meses nos Estados Unidos analisando documentos antes arquivados como secretos ou de circulação restrita. O selo “TOP SECRET” sobre as caixas que guardavam os documentos tinha sido riscado e sobre ele posto um novo selo “Desclassified”, ou seja, o Estado não julgava mais aquilo como secreto, apenas como uma parte da política externa do passado do país. O acesso aos documentos é irrestrito, inclusive para estrangeiros. Contudo, as perguntas sobre o desenrolar da pesquisa foram muitas e minuciosas.
Afonso diz ter se surpreendido com os dados encontrados em sua pesquisa por se deparar com uma enorme logística voltada para a espionagem e tentativa de doutrinação. A abertura e análise de documentos antes secretos facilita a compreensão de uma época marcada e movida por divergências entre potências de ideologias antagônicas, além de tirar do campo das hipóteses a noção de que os Estados Unidos tinham, deveras, um controle sobre tudo o que estava dentro do seu campo de interesse nas relações exteriores.