segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Brasil tem uma cultura do estupro?

Estatísticas mostram que a violência sexual contra mulheres no Brasil é prevalente, mas tende a escapar a atenção da mídia a menos que envolva um incidente macabro, como o caso recente de estupro coletivo de uma adolescente praticado por mais de 30 homens em uma favela do Rio, ou uma turista vitimada. Há uma subnotificação de ocorrências e até mesmo os episódios que chegam aos jornais são facilmente deslocados por outras novidades, como a Olimpíada ou confrontos entre traficantes e a polícia.
Até 2009, o Código Penal brasileiro caracterizava o estupro como “um crime contra a dignidade social” – um insulto dirigido à integridade da família (o marido ou o pai de uma mulher, por exemplo). A noção de “justiça” diante de um crime de estupro era baseada na imagem da “mulher honesta”, de modo que a proteção integral da lei valia apenas para virgens solteiras e mulheres casadas.
Em 2009, o Código Penal foi alterado e passou a definir o estupro como um crime contra a dignidade e a liberdade sexual. Desde então, um estudo produzido pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro registrou um aumento de 24% nos casos de estupro entre 2011 e 2012, indicando que mais pessoas passaram a denunciar o crime à polícia.
Mas a decisão de denunciar um estupro ainda esbarra em tabus sociais. Um estudo do Ipea de 2014 estimou que existem 527 mil tentativas de estupro por ano no Brasil, dos quais apenas 10% são relatados.
O estudo também revelou atitudes preocupantes do público em relação ao estupro. Publicado no final de março de 2014, o estudo inicialmente informara que 65,1% dos brasileiros acreditavam que as mulheres que se vestiam com roupas reveladoras mereciam ser estupradas. Surpreendentemente, dos pesquisados, 65% eram mulheres.
O estudo repercutiu amplamente nas mídias sociais, mas, em seguida, o IPEA anunciou um erro nos números publicados. As porcentagens representadas pelas respostas a duas das perguntas da pesquisa haviam sido acidentalmente invertidas: em vez de 65%,  a porcentagem de brasileiros que acreditavam que mulheres que usam roupas provocantes merecem ser estuprada era de 26% – um erro gritante, embora o número correto ainda seja bastante alto. No entanto, a crítica da mídia ao IPEA e à pesquisa foi tão dura que os resultados do estudo como um todo foram desacreditados.
Mas foi tolice descartar o estudo com base em um erro de publicação infeliz. O restante dos resultados continua a ser relevante e sublinha crenças retrógradas e preocupantes sobre as mulheres. Por exemplo, 58,5% concordaram que, se as mulheres soubessem se comportar adequadamente haveria menos casos de estupro. A maioria, ou 58,4% dos brasileiros, também disse que os casos de violência doméstica devem ser resolvidos dentro da família.
Chamar a atenção para tais estatísticas pode ajudar a provocar um debate público sobre a violência sexual no Brasil e desfazer a fortaleza de sexismo na psique brasileira coletiva. Embora o conceito de “mulher honesta” tenha sido retirado do código penal nacional, essa linguagem deixou uma marca nas atitudes culturais. Os casos de estupro que são destacados pela mídia abordam uma mera fração das atitudes machistas entrincheiradas que moldam a vida das mulheres. Essa atmosfera desencoraja as mulheres a tomarem decisões autônomas sobre seus direitos sexuais ou às vezes até mesmo as roupas que vestem.
Há um nível inaceitável de tolerância social com o comportamento sexista e a violência contra as mulheres. Há uma profunda necessidade de novos discursos que priorizem o combate ao estupro. Só então, o Brasil vai ser capaz de erradicar uma infraestrutura social que continua a reforçar atitudes sexistas e patriarcais.
Fonte-opiniao


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