quarta-feira, 1 de junho de 2011

Já é possível precisar quantos anos de vida teremos pela frente


A novidade veio dar à praia, um paradoxo estendido na areia. A empresa espanhola Life Length anunciou ao mundo que já é possível precisar quantos anos de vida teremos pela frente. Por meio de um exame de sangue – pago pelo interessado – é possível medir o tamanho dos telômeros, que são as extremidades dos cromossomas de cada pessoa.
A especialista Maria Blasco – coordenadora do Grupo de Telômeros e Telomerase do Centro Nacional de Pesquisa sobre câncer da Espanha e co-fundadora da Life Length – descobriu no telômero um marcador biológico do envelhecimento – uma espécie de relógio – que se ainda não revela o dia exato do fim da vida, é capaz de assegurar o tempo aproximado que resta a cada um. Quanto mais comprido for o telômero, maior será o tempo de vida de uma pessoa. Da mesma forma, as perspectivas não serão muito alentadoras para quem tiver telômeros mais curtos: apontarão que o estilo de vida – ou um problema de saúde – pode ter roubado anos preciosos daquela pessoa.
Assim, por exemplo, um homem de cinquenta anos poderia saber se viverá até os noventa ou se lhe restam somente mais cinco anos de vida. Desta forma, ele poderia planejar uma longa velhice ou mergulhar em profunda depressão, sucumbindo em espaço de tempo menor do que a perspectiva mais sombria lhe apontara. É uma loteria cujo prêmio é a própria existência, ou o encurtamento dela, e estará disponível no mercado europeu até o fim do ano. Fazer sua aposta neste teste comercial custará o equivalente a R$ 1 mil.
Segundo o que Maria Blasco publicou na revista especializada Scientific American, telômeros mais curtos estariam associados a doenças respiratórias, circulatórias e ainda à obesidade, estresse ou Alzheimer. Teorias de envelhecimento documentam a associação de telômeros mais curtos com o envelhecimento e suas consequências, como a perda de vitalidade, sistema imunológico debilitado e falência progressiva dos órgãos. Vendendo o próprio peixe, Blasco sustenta que é importante saber o tamanho dos telômeros – indicando o estado de saúde – “ou nossa idade fisiológica antes mesmo de algumas doenças aparecerem”, afirma ela na publicação. Médicos contestam a teoria de que o telômero seja determinante para o envelhecimento e o consideram mero indicador do tempo que resta.
Ouvida por Opinião e Notícia, a psicanalista e filósofa Samanta Obadia não acredita no pleno sucesso do teste. “Como toda descoberta científica, esta provocará a curiosidade das pessoas. A ciência evoluiu, mas não a este ponto. Vejo nisso uma publicidade maior do que a verdade, visto que ainda não há comprovações reais. A indústria médica-farmacêutica é uma das mais poderosas e isso deve ser levado em conta, pois a propaganda costuma ser maior que o fato em si”, observa.
Todo mundo vai morrer um dia
A anestesiologista Elise Fernandes de Almeida lembra a O&N que a longevidade tem diversos fatores determinantes e, principalmente, aquilo o que o indivíduo faz com o próprio corpo. Ela sustenta que cada indivíduo é diferente do outro – assim como suas reações e atitudes diante do fato de que é finito. Pode ser para o bem ou para o mal. “Os seres humanos são plurais e diante de um mesmo fato são capazes de tomar uma série de decisões distintas. Se souberem que vão viver somente até os trinta anos, pessoas diferentes podem ter atitudes que podem abreviar ou prolongar suas existências. Só depende delas”, observa.
Discutir a importância do tamanho do telômero é menos importante do que pensar os aspectos éticos, técnicos, religiosos ou sociais de tal descoberta. As seguradoras já devem estar em reunião para avaliar se devem exigir uma telomerometria (!?) de seus segurados. Padres, pastores, rabinos e demais autoridades religiosas estarão em retiro para refletir sobre o que dizer a seus rebanhos? Psiquiatras, advogados, professores estarão perplexos com esta virada de mesa que põe em conflito suas doutrinas? Ou ainda: até onde vai a Life Length em busca da excelência de seu serviço?
O homem é o único ser vivo que tem a morte como certa e discute esta realidade com certa resignação. No entanto, essa constatação, que ocorre ainda na infância, é fonte de angústia e sofrimento. Psicóloga da Creche Escola Studio da Criança, Karla Seabra revela a O&N que, até os sete anos, a criança tem uma visão fantasiosa da morte: “Para ela, é como se a pessoa sumisse e pudesse voltar a qualquer momento. A partir dos oito anos, essa sensação muda por influência dos adultos – que não lidam bem com a ideia da morte”, revela. Karla ressalta que a consciência de que o fim virá é – social e culturalmente – impactante e pode trazer pânico e mudanças de comportamento. “A morte é a única certeza mas, na nossa cultura, essa datação pode trazer consequências – diferente do que acontece com os homens-bomba, que escolhem a data em que vão morrer, ou mesmo com os suicidas”, diagnostica.
Para Elise, a busca da precisão do dia da morte não contribui para a felicidade ou para a saúde: “Existem diversas formas de ver o ser humano. Uns passam pela vida e não deixam nada. Por outro lado, quem pinta um quadro ou compõe uma música se torna eterno. O perverso desse exame é que adquirimos a consciência de finitude, de contagem regressiva. É como colocar alguém no corredor da morte – uma tortura”, conclui.

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